De 100 a Meia Grade – Por Claudia Maués

23/05/2024

No momento de publicação desta crítica teatral profesores de sessenta universidades e/ou institutos federais encontram-se há 38 dias de greve. Na pauta de reivindicações, entregue ao governo desde 2023, os principais pontos agrupam-se do seguinte modo: Recomposição do Orçamentos das Universidades; Revogaço das medidas implementadas por Temer e Bolsonaro;  Recomposição Salarial; Reestruturação da Carreira Docente. Até o presente momento o Comando Nacional de Greve (ANDES) avalia que NÃO HÁ AVANÇOS SIGNIFICATIVOS EM NENHUM DOS EIXOS DAS REIVINDICAÇÕES. 

Seguimos na Luta.

Evoé.

Montagem Teatral: "Joana"

Montagem: Grupo Cuíra 

Claudia Maués[1]

A 4ª Mostra do Festival Nilza Maria, em Belém, que aconteceu no Teatro da Paz, teve o espetáculo "Joana", de Edyr Proença, encenado pela atriz, do grupo Cuíra, Zê Charone. É uma narrativa, acima de tudo, da existência de várias mulheres, prostitutas ou ex-prostitutas, que ao longo de suas vivências carregam uma realidade ácida e triste em nosso país, mas que apesar de tudo buscam uma alegria, mesmo que ínfima, de viver e sobreviver.

As dificuldades, de Joana e suas memórias, carregam a realidade de várias mulheres em uma profissão secular, contudo que não pode ser visto como algo comum e simplista, como afirma, Luzia Margareth Rago, historiadora e feminista: "o discurso simplista de que a prostituição é (...) a profissão mais antiga do mundo (...) faz parte de uma postura prejudicial, uma vez que naturaliza um fenômeno que na realidade (...) é cultural e histórico, não necessário e insolúvel" (2011, p. 224).

A Arte, mais uma vez, carrega a capacidade de nos "mostrar" a realidade social em que vivemos e, muitas vezes, ignoramos. "Joana" é esse espetáculo que transborda essa realidade e, ainda, faz parte de um mundo aonde a mulher é tratada como um objeto de prazer de muitos homens. Uma carne apenas que é comercializada.

O texto de Edyr Proença, espraia a violência, a precariedade, o machismo, a invisibilidade e envelhecimento. Este último, para uma prostituta, um caminho que aponta muito mais sofrimento, por não mais possuir o atrativo da juventude e de uma mocidade que atrai o olhar do homem e seus desejos sexuais.

Vejo, Joana, como um espetáculo necessário para refletirmos como uma mulher pode ser tratada por nossa sociedade. Mesmo que o texto e a atuação de Zê Charone, em alguns pontos traga um misto de "graça" e nos façam ri, mas a ironia de uma vida tão ruim, de deitar-se com vários homens em troca de dinheiro, não por opção, mas por sobrevivência desperta a necessidade de pensarmos a realidade, que existe, até, hoje em nossa sociedade.

Alimentar os ratos, é uma metáfora, bem real. Joana, é o alimento e várias "Joanas" são o alimento de "ratos" que representam nossa sociedade. Somos todos ratos porque somos alimentados por nossos egoísmos, por nossas vendas que não nos fazem enxergar realidades cruéis por que passam inúmeras pessoas, sejam prostitutas, crianças, jovens que viram mercadorias de homens e numerários de grupos que sobrevivem vergonhosamente, desse artigo humano.

A quantidade de grades vendidas ou não vendidas, nas casas de prostituição, durante a construção de Tucuruí, vejo que refletem um processo de riqueza e empobrecimento, ao mesmo tempo, da "mercadoria humana" e, das atitudes sociais pelas quais passamos ou agimos ao longo da história da humanidade, de quem é o oprimido e o opressor. Mesmo, com leveza, Zê Charone, dirigida por Olinda Charone, mostra isso, na construção dessa personagem, tão necessária e, em sua atuação, no espetáculo.

Outro aspecto, de Joana, é o espaço em que acontece a cena. O lugar: seu quartinho, precário, mas carregado de simbologias sociais, por quem passam diversas pessoas em nosso país. Sem teto, porém para ela representa o que é seu. Que lhe pertence, mesmo que represente um lugar tão miserável. Contudo, é dela.

Joana, uma narrativa singular, que nos remete a refletir nossa realidade social. Isso é primoroso e muito significativo. A dramaturgia é magnifica. A Arte Teatral tem essa possibilidade: nos fazer pensar nossas realidades, que vão além do entretenimento.

Sair de nossas "grades", de nossas submissões sociais é possível. E história, de Joana, contada na dramaturgia de Edyr Proença, dirigida por Olinda Charone e encenada por Zê Charone seja, no espaço Cuíra, no Teatro do Sesi e, agora no Teatro da Paz, na 4ª Mostra do Festival Nilza é muito necessária nesse processo de reflexão e, de mudança social.

23 de maio de 2024.


[1] Claudia Maués é graduanda em Teatro pela Universidade Federal do Pará. Especialista em Teatro e Educação. Especialista em Português e Análise Literária – Universidade Estadual do Pará e graduada em Licenciatura Plena em Letras e Artes – UFPA.

FICHA TÉCNICA:

JOANA

Grupo Cuíra

Zê Charone como "Joana"

Direção:

Olinda Charone

Dramaturgia:

Edyr Augusto

Inspirado na obra "A Leseira itinerante", de Fabiana Nanô

Cenário e Figurino:

Charles Leon Serruya

Sonoplastia:

Marluce Oliveira

Desenho de Luz:

Marcos Quinan

Montagem de Luz:

José Igreja (Zezinho)

Concepção da Estrutura Cenográfica:

Wlad Lima

Cenotécnico:

Ribamar Monteiro

Serralheiro:

Aldo da Silva Pereira

Visagismo:

Ronaldo Fayal