MaréS CheiaS, PREAMAR – Por Karimme Silva
Montagem: Arauandê - Os Rios de Minh'alma.
Montagem Teatral: Cursos Técnicos em Ator,
Cenografia e Figurino Cênico da ETDUFPA.
Karimme Silva[1]
Rio
de muitos nomes,
Ser
de muitas
de muitas formas e fomes.
Espelho contra espelho
rio só linguagem
rio sim sêmen de Deus.
Amazonas
água e lama
vogais e consoantes.
Que outro nome corre no teu leito,
se outro rio corre no teu nome?
Rio, superfície de si mesmo
e Mar além de si.
Água antes de si
(Inexistência)[2]
Para quais direções correm os cursos dos rios?
Sobre eles, quem vem e vai?
Quem passa? Quem fica?
Quem deixa e leva?
O "lá", entre tantos lares se torna o "aqui" pela memória.
Há o porto e o pôr do sol.
Algumas nuvens negras
mas quem manda na chuva é a maré.
Maré que leva ou traz?
Entre corpos mareados, viajantes, viajados
no percurso beira-rio, se destrincham tantos "lás".
O lá daquela mãe que perdeu o filho
o lá da menina
o lá da infância.
Que não é o hoje, mas que chega aqui.
Histórias de outras margens, cursos, afluentes.
≈≈≈≈≈
Há tempos, se es(ins)creve sobre o rio.
Que não se move somente pelas águas
mas o curso do rio-tempo.
A gente daqui, da ribeira amazônica,
sabe que rio é memória.
Que o rio é caminho de um porto a outro.
O porto de agora e o do passado.
Quais os cursos dessas memórias?
As luzes se acendem sobre o porto.
Madeira, chão de ponte, piso forte.
As estruturas balançam e vergam
mas sustentam o fluxo.
Observo os corpos, a Cobra.
Corpororocas, superfícies da/n'água.
Rua de terra no fundo
Superfície d'água
Eu vim de lá...
Eu vim de lá...
Arauandeiro, Arauandá
Encantarias pedem passagem
entre o aqui e o lá
o real e o imaginário
a cena e a vida.
As criaturas atravessam
carregam suas malas
e tantas outras bagagens da lembrança.
Elas se vestem de plástico
paneiros, rótulos, borrachas de sandálias
trazem objetos reais
em construções do imaginário.
Estes seres possuem pinturas
pelo rosto e corpo
não é algo do aqui nem do agora.
≈≈≈≈≈
O rio de corpos deságua em palavras
e cada texto exprime o passado
transborda no hoje
se enche para caber
de tantas ondas-lembranças.
Lá atrás e lá no fundo
existem tantas coisas
cantos de Iaras
Sereias
Botos
Iemanjá
entre outras tantas forças
que a terra não compreende.
Forças opostas:
de um lado, uma coreografia fluvial
do outro lado, outra
um lado dos encantados é enchente
o outro, se move em vazante
movimentos repetidos
como o balançar dos barcos
e o que corre no meio: a viagem.
≈≈≈≈≈
Existe aquele viajante
que vende trecos e troços
mas que está além
um pé no rio, outro na terra
e o corpo pulsando entre o caos e o cais
disparando espasmos da memória.
Existe aquela mulher
imponente, poderosa
onipresente
que me lembra Nanã
a mãe d'água
e a dona Carmelita[3]
Existem também as três ciganas
que jogam o destino dos viajantes
como se jogassem as redes de pesca n'água.
E existe aquele som
o barulho das águas
que deixa os corpos leves
mulheres fazem (e trazem) som
batuques, tambores, percussões, vozes
mulher é água.
≈≈≈≈≈
Nos cursos da memória
e nas inscrições no corpo
os rios seguiram seus fluxos
em paisagem, poética e potência.[4]
Materializando-se em cena, movimento, passagem.
Atuantes-rios, público-margem.
Arauandê[5], Arauandá
MaréS cheiaS, PREAMAR.
18 de dezembro de 2019.
[1]Psicopedagoga, Atriz formada pelo Curso Técnico em Ator da ETDUFPA, artista-pesquisadora e mestranda do programa de Pós-Graduação em Artes (PPGARTES/UFPA). Pesquisadora navegante.
[2]LOUREIRO, João de Jesus Paes. Obras reunidas (3.vol.). São Paulo: Escrituras Editora, 2000.
[3]Personagem interpretada por Lia de Itamaracá no filme "Bacurau" (2019) de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles.
[4]Três categorias pelas quais o rio desaguou no artigo intitulado: "Caminhos Marajoaras: o rio enquanto paisagem, poética e potência artística", elaborado no primeiro semestre do mestrado em Artes.
[5]Espetáculo apresentado pelos concluintes das turmas dos cursos técnicos em Teatro, Cenografia e Figurino Cênico da Escola de Teatro e Dança da UFPA (2019). Destaco a escolha da locação, o cartaz e a visualidade deste processo, os quais dialogaram de forma fluida com a proposta e o percurso cênico da obra apresentada.
FICHA TÉCNICA
Elenco:
Anna Clara Andrade
Arthur Perdigão
Augusto Neves
Brenda Britto
Carla jardim
Danilo Rocha
Gabriel Di Preto
Gilson Santos
João Santa Brígida
José Neto
Julis Albuquerque
Laís Bezerra
Letícia Moreira
Lucas Del Corrêa
Marina Di Gusmão
Marina Moreira
Matheus Amorim
Matheus Magno
Melissa Souza
Pedro Henrique Dias
Ramon Dekken
Sarah Prazeres
Tarcísio Gabriel
Tertuliana Lopes
Vanessa Duarte
Wanessa Guimarães
Wesley Santos
ENCENAÇÃO:
Andréa Flores e Marluce Oliveira
DRAMATURGIA:
Colaborativa
Dramaturgistas:
Glauce Rocha, Penélope Lima e Vanessa Farias
ASSISTÊNCIA DE DIREÇÃO:
Andrey jandson, Ingrid Gomes e Victória Souza
DIREÇÃO MUSICAL:
Andrey jandson, Gabriel Di Preto e Victória Souza
MUSICISTAS:
Duda Souza e Katarina Chaves
FIGURINO:
Bárbara Jubin, João Paulo Faísca e Leeandra Lee Vasconcelos
ASSISTENTES DE FIGURINO:
Hugo Corrêa, Luciano Cantanhede e Theus Iconic
CENOGRAFIA:
Farid Zahalan, Hanna C. Blue, Juh Silva e Nine Ribeiro
ASSISTENTES DE CENOGRAFIA:
Caê Jestas - CSJ, Felipe Neves, Kildren Pantoja, Lee, Oiran e Rúbia Abati
COORDENAÇÃO DE VISUALIDADE:
Juliana Bentes e Paulo de Tarso
ASSESSORIA DE IMPRENSA:
Lucas Del Corrêa
IDENTIDADE VISUAL:
Tarcísio Gabriel e Sarah Prazeres
FOTOGRAFIAS:
Danielle Cascaes e Tarcísio Gabriel