O GRITO DA BRUXA! (Pensamentos acerca da crítica de Raphael Andrade ao espetáculo “As Bruxas de Salém” – Por Paula Barros.
Paula Barros[1]
Já passam das 0:00h quando inicio esta escrita. Então posso dizer que ontem li a crítica de Rafael Andrade ao espetáculo As Bruxas de Salém, direção de Guál Dídimo. Como ele mencionou, quem fez parte do projeto de extensão Tribuna do Cretino recebeu cortesia para assistir ao espetáculo; fui uma das que tiveram essa cortesia, pois desde o momento em que saí de casa para ir ao espetáculo, já comecei alguns questionamentos acerca do convite feito pelo diretor. Porque aqui em Belém, não vemos muito essa prática, principalmente a do diálogo entre o diretor e o espectador da obra (apesar da resistência do projeto de extensão Tribuna do Cretino e do blog O teatro como ele é[2], de Arthur Ribeiro).
Digo isso, principalmente porque a dois anos atrás quando estava na fila para entrar na sala de espetáculo, um professor da Escola de Teatro e Dança da UFPA e diretor do espetáculo que estava em cartaz fez questão de vir me cumprimentar e até hoje me pergunto a real intenção de sua colocação, pois ele se direcionou a mim e disse: "- E aí 'cretininha' veio assistir de novo? Vais escrever mais uma vez sobre o espetáculo? " No momento eu ri e disse que sim, afinal era minha "sina" falar "mal" dos outros, (mesmo sabendo que não é essa a função do crítico); a professora e as colegas de turma que me acompanhavam ficaram espantadas com o comentário infeliz dele.
Mas de fato não me espantei, já havia ouvido isso de alguns colegas pelos corredores, e comentários sobre ser a "cretininha" preferida do professor, mesmo sabendo que isso nunca existiu. O que quero dizer com isso é que aparentemente mesmo sendo um projeto de extensão da universidade, alguns não procuram saber o que ocorre, quais os questionamentos, metodologias e práticas dos fruidores/escritores/críticos das obras, mesmo porque quem tem esse tipo de reação e posição não tem o costume de ler as críticas, nem se faz o favor de questionar ou pensar a obra. Digo isso, pelo simples fato dos acontecimentos atuais dentro do espaço da universidade e do mundo, estamos vivenciando uma polarização, seja pela mídia ou pela simples ideia de oposição e opinião, claro historicamente sei que fomos violentados e direcionados a não pensar, a servir, a obedecer a "ordem e progresso".
E está tudo tão próximo, um exemplo é o TWEET-Crítica-Manifesto-Textão Pistola mas não abala o FANDOM![3], escrito por Taion Almeida para a crítica Manifesto do Partido Antifacebookista[4], escrita por Arthur Ribeiro. Claro, enquanto estética apresentada, me fez rir, achei sensacional, mas enquanto crítica e ao que temos visto no curso e no blog do Tribuna do Cretino não é assim que dialogamos. Não me diz nada a não ser dar um reforço ao que Arthur Ribeiro pensa na crítica, as divergências vêm a partir da opinião do outro, se não concordo o que faço é "jogar na fogueira".
No mais como responder a essas pessoas se de acordo com Maria Helena Martins temos o hábito de ler a partir da nossa vivência de mundo, que as interpretações são variadas, de acordo como nos chega a leitura. E falo de ler não somente a obra teatral e a crítica, mas o outro. Portanto, é o que ele e algumas pessoas leem ou absorvem de mim e do que sou, não é mesmo? É de alguma forma como algumas críticas chegam até o diretor ou os atores dos espetáculos que são produzidas as críticas. Logo, só posso rir e tentar "dançar de acordo com a música", mas não posso deixar de dizer que para podermos criticar seja lá uma obra teatral, crítica ou pessoa precisamos pautá-las não em meras opiniões ou discordância uns dos outros, tão pouco porque "não vou com a cara de fulano ou ciclano", mas em argumentos sólidos. Porém, como diz Patrick Pessoa em A arte da crítica: Conversa entre um japonês e um crítico brasileiro: "Nenhum realizador tem controle total da reverberação de sua obra ou das infinidades de possíveis camadas que ela pode ter" (2016).
No entanto, o que li de Rafael Andrade só me faz perceber o quanto que o Projeto Tribuna do Cretino tem realizado e não estou falando dos dados e quantitativos já levantados por mim e pelo Edson Fernando no final da vigência da minha bolsa de extensão em 2017, mas sim de como esse crítico dialoga com a obra por meio de uma forma de escrita ensaística, claro, que nesse caso não na sua íntegra.
Raphael descreve para gente seu deslocamento até o local do espetáculo e nos dá dados de si, e o que li foi ele tentando se colocar nesse lugar de fruidor e não de um crítico que deseja apontar e questionar os elementos formais e técnicos do espetáculo teatral, mesmo aparecendo no meio do texto, os apontamentos como as comparações e questões que ele observou. Quem lê seus textos, percebe que houve mudanças na sua forma de escrever e isso vem ocorrendo há algum tempo. No entanto, nesta especificamente há uma colocação pessoal, e ouso dizer que uma empatia com o espetáculo na visualidade, na dramaturgia e no gosto estético observado na obra, pois vejo quem é Raphael, identifico sua personalidade e mesmo onde aponta suas descrições analíticas acerca da obra e da atriz, ainda assim, é uma avaliação da relação obra e espectador, bem pontual.
O que me remete primeiro ao que diz Bernard Dort:
O centro da gravidade teatral mudou: ele não está mais na cena ou na obra somente, ele se situa de alguma maneira no ponto de intersecção da cena com a sala, ou melhor ainda, no encontro do teatro com o mundo (apud DESGRANGES, 2003, p.19)
Esse encontro se faz presente no meu ponto de vista na crítica de Raphael, claro, a dramaturgia do espetáculo é singular e nos induz a essa empatia e comparações com a conjuntura atual; a montagem teatral também me fez ter essa empatia ao assisti-la e é o que muitos diretores, atores e dramaturgos têm abordado nas suas obras teatrais em uma relação bem direta com o mundo. E o Teatro ao longo de séculos tem sido o meio de expressar o mundo e de alguma forma revelar o que não pode, não consegue ou não se quer ler no cotidiano. Assim como diz Flávio Desgranges sobre o teatro épico moderno e a contemporaneidade:
Essa arte busca, assim, rever continuamente suas propostas para manter um diálogo profícuo com a sociedade. As transformações na vida social contemporânea podem ser percebidas, por exemplo, a partir da infinidade de novos procedimentos espetaculares que imprimem um tom ficcional ao dia-a-dia e nos deixam expostos a um turbilhão de informações que se renovam a cada instante. A expansão dos meios de comunicação de massa, que ampliam incessantemente sua capilaridade no tecido social, incrementada, pela multiplicação de máquinas e eventos, e a criação constante de diferentes canais de aproximação suscitam no indivíduo contemporâneo sensações e estímulos diversos, provocam e interrompem raciocínios e estabelecem profundas alterações nos valores éticos e nos conceitos estéticos.(...), requisita, assim, maneiras próprias de perceber e compreender os acontecimentos sociais" (2003, p. 135-136).
Assim têm sido as atividades do projeto de extensão Tribuna do Cretino, pois ele têm buscado estabelecer um ponto de intersecção da obra com o espectador e por vezes por meio das críticas publicadas leu uma obra da obra, uma espécie de presentificação do espetáculo fruído, como a crítica de Geane Oliveira Tic-tac[5] do espetáculo Onde Terás que Esperar. E mais do que isso, penso que o projeto e suas atividades tem fomentado as discussões do fazer teatral, bem como, gerado conhecimento da linguagem oral, escrita e de leitura de obras para aqueles que leem e participam das atividades do projeto. É o que percebo nas escritas do Rafael, na minha e de outros que costumam escrever para o blog Tribuna do Cretino. Claro, nenhum espetáculo é igual, logo, as escritas também não serão. Mas em todo escritor a uma singularidade, uma marca, e que é perceptível quando isso muda e varia no estilo, na forma com a qual se escreve.
Então, sobre o que falei dos questionamentos acerca do convite feito pelo diretor do espetáculo, fiquei tão intrigada, assim como tenho estado com os acontecimentos atuais na política e as fake news, que resolvi não me identificar, preferi pagar o espetáculo a entrar com a cortesia, pois imaginei o bilheteiro dizendo bem baixinho no camarim ao diretor e aos artistas: "- Chegou mais uma Cretina" (rindo alto agora com essa tolice minha). Enfim, sei que não era essa a intenção de Guál, mas foi para me sentir confortável como espectadora, fruidora da obra, sem ninguém saber de fato quem eu era, uma tarefa bem difícil, tendo em vista que conhecia uma pequena parcela do público.
Assim, preferi também não escrever, ao menos não diretamente, pois me identifico com a escrita de Rafael, bem como, o que mencionei aqui, logo, remete claramente (ou não) ao que penso acerca da obra. Quero mais inquietações para me fazer pensar/ler/fruir, quero poder entrar mais vezes nos espetáculos, sem ser tachada como "cretina" - apesar de achar um elogio, diga-se de passagem, exceto quando colocado como forma de xingamento sem conhecimento prévio do que realmente significa. Mas não quero ter que obrigatoriamente escrever só porque assistir, nem todas as vezes isso é possível! Nem todas as vezes quero ir para escrever, no entanto, quando vou e as pessoas esperam isso, fico imaginando mesmo se essa é a minha "sina": Cretina uma vez, Cretina para sempre!
Em todo caso, escrevo para registrar o trabalho do blog e do projeto de extensão da Tribuna, e que mesmo sem escrever há algum tempo devido a tarefa solitária do trabalho de conclusão de curso , tenho lido e consumido as críticas, afinal elas fazem parte da minha trajetória na universidade, e como disse elas fomentam a escrita, a oralidade o pensar a obra e o fazer teatral.
E como prática de ensino o curso adentrou as nossas vidas acadêmicas e o fazer artístico, seja meu ou do Raphael, ou de qualquer outro, afinal as inscrições para o curso, assim como o blog do projeto, é aberto para que as pessoas possam se dar a oportunidade de conhecer e gerar conhecimento, diálogo e construções artísticas, ensaísticas e fruidoras da linguagem Teatral.
E termino agradecendo ao Raphael pelo seu exercício da escrita, que nos presenteia com um pouco de si, dando a oportunidade de lermos juntos a obra.
Evoé.
14 de novembro de 2019.
[1] Atriz - palhaça, Graduanda de Licenciatura Plena em Teatro pela UFPA e Cretina por opção.
[2] Acessar o link https://oteatrocomoelee.wordpress.com/
[3] Acessar o link: https://www.tribunadocretino.com.br/palavra-do-leitor-espectador/
[4] Acessar o link: https://oteatrocomoelee.wordpress.com/2018/01/28/manifesto-do-partido-antifacebookista/
[5] Acessar link: https://tribunadocretino.blogspot.com/2016/08/tic-tac-por-geane-oliveira.html