Soltem-lhe as correntes! – Por Bruno Euller

28/11/2022

Montagem Teatral: Correntes

Mostra Cênica do Prêmio TUCB

Bruno Euller Marlon Costa Oliveira[1]

Durante a vida, inúmeras correntes a mim foram colocadas. A maior delas era a não aceitação de quem eu sou, problema que se armou diante dos ideais cristãos que me foram apresentados, quanto a condenação da homoafetividade. E diante disto, armei meu próprio tribunal, me julgando, me condenando e me sentenciando. Demorou, mas aos poucos fui entendendo minha essência e quem sou, mas ainda sigo reflexivo por esse julgamento armado pela sociedade e tive a oportunidade de refletir mais afundo tal questão ao assistir ao espetáculo "Correntes", na Mostra Cênica do Prêmio TUCB.

A montagem em questão traz à tona um JULGAMENTO, e isto já se torna evidente assim que adentro o precioso Teatro Universitário Cláudio Barradas, na qual as cadeiras estão organizadas em praticáveis de diversas alturas formando uma semi arena e ao fim do "palco" dois púlpitos, e entres eles uma cadeira com um rapaz sentado entrelaçado em correntes.

O início é bem poético: o protagonista acorrentado expressa seus sentimentos e logo depois entram em cena um rapaz e uma moça trajados com vestes de promotores de justiça, prontos para defender e julgar o réu. Os púlpitos inicialmente me remetem a um ambiente de tribunal, porém logo eles apresentam a causa da "Audiência", que seria o julgamento de rapaz Homossexual que é Cristão, na qual a Promotora de acusação busca condená-lo por este fato, tendo em vista que a "bíblia" condena a prática homoafetiva, enquanto o defensor público, busca por meio da própria Bíblia argumentar contra a condenação. Logo, percebo que a estrutura traz um duplo sentido consigo, pois além do seu uso em ambientes judiciais também é muito usada em igrejas, de modo que em alguns casos quem se encontra na estrutura é quem tem o domínio da palavra diante dos fiéis. Então a estrutura me apresenta este teor religioso e judicial ao mesmo tempo.

Enquanto o julgamento ocorre, os promotores buscam por versículos da bíblia para atacar e defender o réu, e pra reforçar isso acionam três membros do júri para relatar tais palavras, na qual estes se encontram na plateia, me trazendo uma sensação não só de espectador, mas de membro do júri, tendo em vista que as ocorrências da cena me fazem refletir uma posição de condenador ou defensor do rapaz julgado. São citados versículos que condenam a relação homoafetiva, mas que são contestados pelo defensor público que apresenta versículos que por exemplo falam da submissão da mulher ao homem, mas que em tal ato judicial é feito o contrário, já que a promotora de ataque é uma mulher e não se comporta de tal maneira, assim como outras proibições que são descritas no livro sagrado, mas são interpretadas de maneira pessoal.

No intervalo de cada acusação ou defesa o réu tem seu momento de súplica, na qual de forma poética conta suas experiências como ser cristão e homossexual e suas indignações com a forma que é tratado. E em um destes momentos, os promotores saem e retornam com vestes de freira e trazem consigo um teor ainda mais religioso para o julgamento. Diante de acusações e defesas embasadas por questões bíblicas, a freira/promotora de ataque decide realizar no réu um "ritual" de cura, que me faz rir, por ser algo tão comum em alguns grupos religiosos, que é essa ideia de que homossexualidade é doença e que necessita de cura. Um tempo depois as freiras saem e voltam vestidas com roupas que lembram um cabaré, e uma destas busca por meio da sensualidade converter o réu enquanto a outra busca preservar sua orientação sexual.

O espetáculo vem com essa ideia de ping-pong, na qual o defensor apresenta seus argumentos, mas é contestado pela promotora de acusação e vice-versa, sempre com o réu suplicando e sofrendo por não poder viver como deseja. Depois de três atos de julgamento, o réu se manifesta contra tudo o que foi julgado e vai quebrando as correntes que lhe amarraram e ao som de "Flutua" de Johnny Hooker sai pelo espaço "celebrando" liberdade. Este ato final de liberdade me instiga a necessidade de uma trilha sonora que me remeta mais a um grito de liberdade do que uma declaração romântica, mas que mesmo com tais ideias reflito junto ao réu a alegria de poder decidir viver e seguir como quiser com sua fé e afetividade.

Sigo após o espetáculo ainda mais convicto com a ideia de que muitas religiões sustentam seus preconceitos com bases em interpretações próprias do seu livro sagrado, a belíssima HIPOCRISIA.

28 de novembro de 2022.

[1]Graduando do Curso Superior Tecnológico em Produção Cênica; Bolsista PIBIPA 2022;

Ficha técnica:

Dramaturgia e Direção:
Romualdo Baccaro

Elenco:
Kesynho Houston

Jéssica Ribeiro

Romualdo Baccaro

Lorena Bianco

Criolinhoo

XViccy

Cenografia:

Izidório José

Iluminação e Sonoplastia:

Deolinda Oliveira


Arte:
Bryan Monteiro

Produção:
Murilo Carvalho